segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A Europa e o terrorismo islâmico

A imprensa internacional de hoje está cheia de artigos sobre uma ameaça terrorista que paira sobre os caminhos-de-ferro da Europa, de que a notícia seguinte no Expresso é um exemplo:


 A Europa nunca foi uma ameaça real para a Al-Qaeda. A retórica europeia é, no máximo, seguidista em relação aos EUA. A política antiterrorista europeia centra-se, tanto quanto sei, na defesa das suas fronteiras e não na agressão a estados "supostamente" apoiantes do terrorismo. Sendo assim, o que teria al-Zawahiri a ganhar com atentados na Europa?

Convenhamos, a al-Qaeda e outros grupos radicais islâmicos têm algo de comum com grupos radicais extremistas em "democracias maduras" - agem de modo a conquistar e reforçar a sua base de apoio, a sua popularidade entre os apoiantes. Os radicais - ou menos radicais - europeus procuram "causas fracturantes" e ligadas às insatisfações da população - insegurança, desconfiança, ódio ao outro, aos imigrantes, aos homossexuais, às diferentes etnias, aos drogados, aos desempregados, aos pedófilos, aos reformados, aos indigentes, aos funcionários públicos, aos "países do sul" e mesmo aos banqueiros, aos políticos - cada grupelho político serve-se das "causas" que mais lhe convêm. O seu objectivo é obter e reforçar o seu poder (o que fazem com o poder, não quero discutir nesta ocasião).

Os movimentos islâmicos são semelhantes. A sua acção é muito mais de propaganda do que de guerra santa. Os líderes da organização não são bombistas suicidas - servem-se destes. Não são nem pretendem ser pequenos grupos marginais - são grandes movimentos populares nos países de cultura islâmica. Hammas, Hezbollah, Irmandade Muçulmana, independentemente das particularidades da crença religiosa de cada um, são exemplos do mesmo fenómeno. São movimentos populistas que manobram as emoções da população para conseguirem todo o tipo de apoio: votos, dinheiro, militantes, voluntários para todo o tipo de acções.

Todos têm um inimigo: aqui, volto a referir-me tanto aos fundamentalistas islâmicos como aos populistas nas democracias "ocidentais". É a forma mais eficaz e directa de agremiar multidões de apoiantes, fazer apelo ao medo irracional, à defesa da própria vida, dos próprios bens, da própria família, face àqueles que nos querem matar, roubar, estuprar.

Posto isto, voltando ao tema da ameaça terrorista à Europa: não me parece que, entre os movimentos fundamentalistas, a agressão à Europa seja capaz de mobilizar tanto entusiasmo como a agressão aos EUA ou a Israel, tão simples como isso. A retórica desses movimentos explora as notícias, as declarações, as reacções aos acontecimentos do momento. Agita-se em "ondas de ódio", não é estruturada, objectiva, racional. E nada houve, nos últimos dias (que eu saiba) que tenha motivado uma reacção de ódio contra a Europa. Não que na Europa sejam todos "santinhos", simplesmente a cultura europeia e a retórica europeia (ainda) não se prestam tanto a reacções de ódio como as dos EUA ou de Israel. Muitos comentadores políticos da nossa praça até se incomodam coma "tibieza" das tomadas de posição europeias: nomeadamente, com o facto de nunca a Europa tomar a iniciativa militar. Nem às suas próprias portas, quando houve a guerra nos Balcãs - foi a NATO, puxada pelos EUA, que actuou. Quantos países foram atacados quando houve o atentado em Atocha?

De facto, a Al-Qaeda já cá terá estado - ponho o condicional, não para negar que o tenha feito, mas para admitir que em qualquer atentado cobarde, mesmo reivindicado a posteriori, é difícil saber-se a verdade e pouco objectivo assumir certezas - mas a contenção na reacção europeia aos atentados que terá concretizado nunca provocou as reacções de ódio em cadeia que deliciam os movimentos populistas-oportunistas. Há melhor do que uma agressão militar ao Iraque, ao Afeganistão, para desencadear uma onda gigantesca de apoio ao fundamentalismo, por todo o mundo islâmico? Uma simples reacção condenatória não inflama ódios. Para os terroristas, vale muito mais a pena agredir quem lhes dá troco, porque é isso que mantém a vivo o seu apoio entre as populações.

Se é sempre arriscado fazer assunções acerca dos motivos de um terrorista, podemos, não-obstante, explorar outros ângulos. Quem mais teria a ganhar com um clima de medo e insegurança entre a população europeia? Os EUA - para conseguirem maior colaboração dos seus aliados e ganharem legitimidade para a sua política de agressão militar e espionagem global? Os governos europeus, presentemente confrontados com uma crise generalizada de confiança entre a população europeia?

E se estivermos a assistir, neste momento, a uma adopção generalizada dos métodos de propaganda populista por parte das próprias forças políticas que são/foram a referência em décadas e séculos de democracia, na maior parte das actuais democracias ocidentais? Quem pode negar que a insegurança e o medo já permitiram reduzir liberdades, retirar direitos e tornar aceitáveis políticas de vigilância e controlo que, há duas ou três décadas, seriam inaceitáveis? Suspeitos de terrorismo podem ser sujeitos a tratamentos de excepção nos EUA - em que a maior parte dos direitos de um arguido, que, recordo, não é um condenado, lhe são negados. Ou já acontece, ou está para acontecer que qualquer cidadão possa ser alvo de escutas e de acções de vigilância electrónica sem prévia autorização judicial, desde que se invoque a "segurança nacional".

Isto, com votos ou sem votos, é um estado policial, não uma democracia. E a quem beneficia? A quem detém o poder, pois vê reforçada a sua capacidade de actuar em prol da defesa do próprio poder e da autoridade. O "povo", desde que fique caladinho, faça o seu trabalhinho, ganhará o ser protegido por este estado "brutamontes". Aceitem ser vigiados, que nenhum terrorista vos fará mal. Aceitem trabalhar por menos, aceitem não ter garantias constitucionais, aceitem pagar por serviços que o Estado sempre ofereceu a todo o cidadão por igual, aceitem que o Estado já não sirva mesmo para nada, a não ser para proteger o poder e os que o exercem.

Resta saber se, de facto, existe um inimigo real e se a "segurança" que nos oferecem não é uma história da carochinha: vendemos os nosso direitos e liberdades por notas de monopólio. O rei vai nu?

O populismo serve-se da irracionalidade, do impulso, da manipulação das emoções. Contra isto, só temos uma arma: procurarmos não nos fundirmos com as histórias que nos contam, não nos tornarmos imediatamente parte delas. Procurarmos desmontar essas mesmas histórias, analisá-las e duvidar de tudo até termos uma confiança razoável nos factos, não nos argumentos.

É menos fácil do que parece, porque os mecanismos da emoção e do impulso são rápidos a produzir os seus efeitos e cada vez que reagimos de impulso, que insultamos, estamos a reforçar os mesmos processos neurológicos que hão-de provocar novas reacções impulsivas no futuro. Porque é que se fala numa ameaça sobre os caminhos-de-ferro? Será porque já aconteceu no passado (Madrid, Londres...)? Activa-se uma memória recente, com todos os medos, raivas e ódios que já lhe estão associados. Ainda por cima, poucos dias depois de uma tragédia em Espanha que, mesmo sem os contornos polícos, empresta a realidade e o horror ao cenário hipotético de um atentado.

Podemos, pois, procurar cultivar uma atitude de reserva inicial perante aquilo que lemos, vemos e ouvimos. Não ter pressa de reagir ou, sequer, de formar opinião. E, mesmo na eventualidade do indescritível, do inaceitável, mesmo num caso de atentado terrorista, a nossa reacção deve evitar todo o impulso de agressividade e repudiar totalmente a violência. Podemos passar por "fracos" mas nenhum terrorista vai atacar, por sadismo, quem não lhe devolve a violência - simplesmente, não é essa a reacção de que eles precisam para manter vivo o ódio entre os que os apoiam.

Os terroristas precisam de uma cruzada do ocidente que lhes dê mártires, os poderes do "ocidente" precisam de terroristas que insuflem. É essa a verdade por trás das mentiras que nos querem vender, é esse o mundo de fantasia em que nos prendem.



terça-feira, 13 de agosto de 2013

Eu já desconfiava... O Vedanta é ANARCA :)

"the idea of privilege is the bane of human life. Two forces, as it were, are constantly at work, one making caste, and the other breaking caste; in other words, the one making for privilege, the other breaking down privilege. And whenever privilege is broken down, more and more light and progress come to a race. This struggle we see all around us. Of course there is first the brutal idea of privilege, that of the strong over the weak. There is the privilege of wealth. If a man has more money than another, he wants a little privilege over those who have less. There is the still subtler and more powerful privilege of intellect; because one man knows more than others, he claims more privilege. And the last of all, and the worst, because the most tyrannical, is the privilege of spirituality. If some persons think they know more of spirituality, of God, they claim a superior privilege over everyone else. They say, "Come down and worship us, ye common herds; we are the messengers of God, and you have to worship us." None can be Vedantists, and at the same time admit of privilege to anyone, either mental, physical, or spiritual; absolutely no privilege for anyone."

"above all, if the pride of spirituality enters into you, woe unto you. It is the most awful bondage that ever existed. Neither can wealth nor any other bondage of the human heart bind the soul so much as this. "I am purer than others", is the most awful idea that can enter into the human heart. In what sense are you pure? The God in you is the God in all. If you have not known this, you have known nothing. How can there be difference? It is all one. Every being is the temple of the Most High; if you can see that, good, if not, spirituality has yet to come to you."

Vivekananda, "Vedanta and Privilege" in The Complete Works of Swami Vivekananda, vol.I, Mayavati, 1989.

"what can be attained is elimination of privilege. That is really the work before the whole world. In all social lives, there has been that one fight in every race and in every country. The difficulty is not that one body of men are naturally more intelligent than another, but whether this body of men, because they have the advantage of intelligence, should take away even physical enjoyment from those who do not possess that advantage. The fight is to destroy that privilege. That some will be stronger physically than others, and will thus naturally be able to subdue or defeat the weak, is a self-evident fact, but that because of this strength they should gather unto themselves all the attainable happiness of this life, is not according to law, and the fight has been against it. That some people, through natural aptitude, should be able to accumulate more wealth than others, is natural: but that on account of this power to acquire wealth they should tyrannise and ride roughshod over those who cannot acquire so much wealth, is not a part of the law, and the fight has been against that. The enjoyment of advantage over another is privilege, and throughout ages, the aim of morality has been its destruction."

Vivekananda, "Privilege" in The Complete Works of Swami Vivekananda, vol.I, Mayavati, 1989.