começo auspicioso
No
outro dia, ao descer o Campo Grande, um passageiro de um taxi que me
ultrapassou, espremendo-se para fora da janela, gesticulou para o
passeio do lado direito (onde, por sinal, está implantada uma ciclovia).
Questiono-me se, com tanta ideia peregrina que por aí se manifesta, não
estaremos a permitir uma espécie de "pedagogia negativa" em que alguns
cidadãos, no exercício da sua faculdade de julgar (e do seu direito de
opinar), passam a considerar que os velocípedes já não têm direito de
circular no asfalto - uma vez que têm a ciclovia. Perco a conta aos
zelotas que se preocupam em me brindar com curtas diatribes, normalmente
em linguagem bastante venal, avisando-me sabe-se lá do quê (talvez, que
estou a abusar dos meus direitos? na sua mente desarrumada, talvez
caiba essa contradição). Por vezes são os motoristas, mas os penduras,
na minha experiência, são muito piores.
Lembro a quem possa não estar esclarecido, relativamente a esse assunto, que
o Código da Estrada estabelece o direito relativamente à circulação na
via pública e que não proíbe o trânsito de velocípedes, nem em ruas, nem
em avenidas urbanas, nem em estradas municipais ou nacionais, dentro de
localidades ou fora delas, a menos que a sinalização assim o estipule. E
nenhuma tal sinalização existe, que eu conheça, nos itinerários que
costumo fazer. Assim sendo, o zelo destes cidadãos não passa de um traje
hipócrita, cortado e costurado com a sua frustração de querer andar
mais depressa e não poder fazê-lo, sem privar outro cidadão do exercício
da sua liberdade, dentro dos limites do direito.
Posto isto, quero
deixar escrita - pois não pude gritá-la de modo a que a ouvissem - a
minha resposta aos considerados cidadãos que, há poucos minutos, subia
eu o mesmo Campo Grande, romperam a calma do serão alfacinha com uma
série de violentas apitadelas (talvez por graça do condutor) e, ainda,
esta pérola, berrada da janela pelo pendura - "desvia-te, ó puto de
merda!". A este estimado concidadão, sobretudo, quero dirigir a minha
resposta:
"vai para o Diabo que te carregue, seu CABRÃO DE MERDA"
Juro que ponderei as minhas palavras e procurei um insulto que, sem
atingir inadvertidamente terceiros (o que frequentemente acontece no
insulto), carregue toda a minha própria frustração, por não conseguir
não me irritar com esta gentalha. É, decerto, em grande importância, por
esta mentalidade de besta quadrada ser tão generalizada, na nossa
sociedade, que estamos como estamos. Muita coisa mudaria, se passássemos
a ter a consideração e o respeito pelo outro como princípio basilar de
convivência.
Agora que já está cá fora, vou dormir e tentar sonhar
que amanhã o rácio de pessoas e bestas seja um cagagésimo mais elevado
(ou seja, mais favorável ao numerador).
Boas Noites.
ai, ai... atingiste a gentil esposa do cabrão de merda!
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