domingo, 27 de abril de 2014

25 de Abril



Foi bom constatar que, em 2014, o 25 de Abril continua a representar alguma coisa para tanta gente. Entristece-me que haja, mesmo assim, quem expresse alguma forma de rejeição, ou distanciamento; seja por ressentimento, seja por vaidade intelectual, seja por alguma vergonha de si mesmo.

Eu em 74 estava ainda uns 3 anos no porvir, se é que faz sentido pôr as coisas nesses termos... Sou "produto" da sociedade que nesse dia 25 de Abril se revoltou e abraçou a mudança, com todas as suas qualidades e defeitos. Incomoda-me que essa revolução, pouco mais velha do que eu, se sinta já a envelhecer. Incomoda-me que a imprensa fale nos cabelos grisalhos no Largo do Carmo.

Em 74 rompeu-se com o passado da ditadura - hoje, não vejo necessidade nenhuma de romper com o 25 de Abril, manifestação de princípios que não têm lugar nem época, nem tão-pouco de o relativizar. De romper precisamos, sim, mas com esta cultura que defende, em total desnorte, que a luta pelo interesse pessoal conduz ao maior bem comum. A realidade tem demonstrado até à exaustão, em todo o mundo e não só em Portugal, em todas as economias, estejam ou não em crise, que o conflito de interesses não se resolve em justiça - resolve-se, regra geral, em acumulação de poder. Essa cultura de conflito não foi derrotada pelo 25 de Abril - talvez não fosse esse o programa - continuou e, também por isso, o 25 de Abril não foi - ainda está a ser.

Como escreve Paulo Borges (http://www.pan.com.pt/comunicados/562-queremos-o-25-de-abril-que-nunca-houve.html), ainda queremos o 25 de Abril que nunca houve - mas que foi esperado, desejado em 74, para lá de todas as demarcações ideológicas, em uníssono induzido, talvez, pela extrema injustiça da ditadura. Que esse 25 de Abril que ainda está para vir nunca sirva de justificação para diminuir o 25 de Abril de 1974! Fico doente por ouvir alguns dos meus estimados concidadãos referir-se à "abrilona"... Viva mas é o 25 de Abril... Sempre!

Podemos - os portugueses - não ter, de momento, muito orgulho naquilo que conseguimos como sociedade livre (eu, não tenho muito) mas o abraçar a mudança, a revolta contra a injustiça, a crítica permanente mas lúcida, a meta do direito universal, requer que saibamos voltar à fonte, buscar o ânimo que nos faz andar para a frente. Canta o grisalho José Mário Branco: "E sempre que Abril aqui passar / Dou-lhe este farnel para o ajudar".

Como símbolo da capacidade de mudança, de devir, de não acomodamento, o 25 de Abril é o melhor que temos. Como símbolo, não precisa para nada de ser (b)analizado. Como símbolo, vale mais o 25 de Abril do que a bandeira nacional, o hino nacional, a própria nacionalidade, qualquer nacionalidade. O 25 de Abril foi um gesto de humanidade, de cidadania universal, não pertence a Portugal, não foi a primeira revolta nem a última inspirada pelas mesmas aspirações - a libertação do oprimido. Um princípio universal que Portugal conseguiu manifestar nesse dia de Abril de 1974. Disso deviamos sentir o quanto-baste de orgulho em vez de, como se não fosse nada conosco, "agradecer à geração que o fez", depois criticá-la por não ter sabido fazer melhor nas décadas que se seguiram e postular que os problemas, hoje, são outros.

O 25 de Abril é nosso, de todos os que nele reconhecemos algo que deu forma ao contexto, em vez de o vermos como um produto qualquer desse mesmo contexto, circunstancial, historicamente situado, fatalmente ultrapassado.

O essencial do 25 de Abril, aquilo que faz bater todo o coração sensível, não é a luta da classe operária, nem da classe camponesa, não é de todo a luta de classes, esse é um detalhe contextual, uma manifestação apenas, exagerada por quem lhe convém até se tornar numa mentira. O 25 de Abril é a luta de todo e cada indivíduo consciente contra o exercício injusto de poder sobre si, sobre os seus vizinhos, sobre toda a vida. Logo, também é o combate que hoje se impõe contra a corrupção, contra a exploração do planeta, contra a ganância, contra a apropriação da água, do ADN, do trabalho - em suma, contra a apropriação e instrumentalização da vida.

Não pode haver política sem princípios. Todo o combate político, seja em que instância for, se orientado por um princípio de comunidade universal, é 25 de Abril.

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