sábado, 18 de janeiro de 2014

A opinião pública e as questões fracturantes

Quando abro a edição impressa de um jornal, fico espantado com o peso que o jornalismo de opinião tem, hoje, sobre outros géneros. Na internet ainda é mais gritante, sobretudo na era das redes sociais e da participação do público com comentários: a opinião excita mais o leitor do que o simples relato de factos; factos não se discutem (embora se discuta a propósito destes), enquanto opiniões imediatamente suscitam que se manifeste opinião contrária, constituindo assunto subjectivo e, portanto, de fácil contraditório, mesmo que bem justificadas e/ou sustentadas, nomeadamente, por factos.

Jornalismo de investigação vai rareando e ficando confinado a publicações especializadas. Entrevistas, ainda vai havendo, mas quantas vezes a entrevista não se resume a um artigo de opinião com apoio de interlocutor; ou, por vezes, à tentativa, pelo jornalista, de forçar o entrevistado a seguir a sua narrativa, a pronunciar-se sobre temas pré-definidos e que podem não ser os mais relevantes para o entrevistado (mas serão, certamente, tidos como relevantes pelo consumidor de jornalismo).

Uma opinião pública é muito mais útil do que um público.

Explico: um público habituado, mesmo pressionado a ter opinião sobre qualquer assunto, independentemente do grau de informação que tenha sobre esse mesmo assunto, é quase matemático que caia num "espectro de opinião" bipolarizado. A lógica simples da opinião rápida expressa-se em "concordância" e "discordância" e as opiniões influenciam-se umas às outras; do caos inicial destaca-se um sentido de opinião dominante e o seu contrário, pois as opiniões rápidas, sem justificação própria, procuram justificar-se quer na força do número (de onde o procurarem ser concordantes com uma linha) quer no postular a falsidade da opinião contrária (não pela crítica inteligente, mas de modo tão primário como "o que dizes não pode ser verdade. Logo, a verdade é esta").

Raríssimos são os que, perante um assunto, pensam: não sei o suficiente, não vou formar uma opinião, preciso de conhecer mais. É como o voto em branco; não contam. Não existem. E nestes tempos, não há tempo para hesitações! Tudo menos tibiezas - temos é que ser assertivos! Decisão rápida, a andar!

O "espectro de opinião" bipolarizado demora pouco a surgir; por vezes já está definido, por exemplo, quando um artigo de opinião tem a forma de uma argumentação em favor de uma tese qualquer - os pólos das reacções serão essa tese e a sua negação.

Em que é que isto é "útil", e a quem?

Não vale a pena ter rodeios: é útil ao poder instituído e a quem o manuseia.

Interessa manter a sociedade em estado de fractura constante, pois se a sociedade conseguisse formar consensos, poderia influenciar realmente as coisas. Por isso, estimula-se a opinião, sabendo, à partida, que a opinião da multidão é, quase sempre, bipolarizada.

O tipo de argumentação, clara e sucinta, que é necessário para veicular uma mensagem às multidões é, muitas vezes, incompatível, sequer, com a própria exposição dos problemas - quanto mais, com a sua discussão e crítica. Os problemas, por vezes, são complicados! Por exemplo: há aquecimento global? Toda a gente tem uma opinião: ou há, ou não há. Mas quem é que domina o universo técnico, esotérico, da climatologia - uma ciência cujo objecto, o clima, é, ele próprio, de uma complexidade extrema!

Na verdade, ao poder não importa a resposta ao problema. Procuram, acima de tudo e activamente, que existam as duas opiniões contrárias, procurando, ainda, que o peso de ambas se equilibre, que nunca nenhuma seja mais forte, para que nunca se gere um consenso. Um consenso obriga a um rumo definido e isso limita a liberdade de acção a quem manuseia o poder. Por isso, também, a mentira (uma mentira com número suficiente de apoiantes é tão legítima como uma verdade).

Talvez eu esteja enganado. Talvez, mas o cenário é possível, porque o facto é que as questões fracturantes estão aí e a polarização das opiniões também (sugiro uma leitura dos comentários aos artigos de opinião publicados online para verificar se a maioria das opiniões não está pré-definida, se não se limita à repetição ad eternum dos mesmos argumentos, se não é bipolarizada - isto para não mencionar o uso do insulto para atingir aqueles que já estão classificados como adversário e cuja opinião, portanto, é falsa e deve ser abatida, não discutida.

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